Há uns dois ou três anos, tentei fazer uma crônica, mas saiu essa coisa aí que não consigo definir. Tá mais pra conto.
Postura de caçador
Thalita Rego
Há
muito tempo, o homem mostra sua imponência através do tamanho da sua caça, ou
simplesmente pela sua postura de caçador.
Assim, nós conquistamos mulheres, empregos, dinheiro e tudo o mais.
Faz
pouco mais de três anos que me casei e sempre mantive a minha postura de caçador com minha mulher.
Sempre. Até o mês passado.
Estávamos
sentados no sofá, assistindo um filme qualquer, começando alguma coisa que
poderia resultar em herdeiros, quando ela viu algo se mexendo no chão. Um grito
dela de “Rato!!!” seguido pelo meu
grito, totalmente caçador, agudo e
estridente. Pulamos em cima do sofá e, sinceramente, não sei quem gritava mais.
Recuperei minha postura de caçador correndo para buscar alguma coisa para matar
o rato. Minha mulher veio atrás de mim.
Coloquei-me
à porta da sala com uma vassoura erguida, assistindo o rato passear pelo tapete
da sala. Minha mulher berrava para que eu matasse o rato e isso me deixou
tranqüilo, porque enquanto ela se preocupava em gritar, não prestava atenção em
como eu estava tremendo, com aquela vassoura idiota na mão, morrendo de medo
daquele rato assassino pular em cima de mim com aqueles dentinhos sedentos por
sangue. Não me olhe assim, ratos são morcegos sem asas!
Não
sei bem o que aconteceu, mas quando me dei conta, minha mulher estava no meio
da sala, batendo com a vassoura (que estava em minhas mãos um segundo antes)
seguidas vezes em cima do rato, até ele ficar com a espessura de papel.
Depois
disso, minha esposa não queria mais dormir na casa enquanto não chamássemos o
exterminador. Sinceramente, eu adorei a idéia. Aparentemente em função de uma
epidemia de ratos, o exterminador só poderia ir até nossa casa cinco dias
depois. Resumindo, paguei cinco caras noites em um hotel requintado AO LADO DE
CASA, porque minha esposa não queria ficar em um hotel longe do ponto onde ela
pega ônibus todos os dias.
No
dia marcado para o exterminador aparecer, fiquei esperando por ele na varanda
que tem em meu quarto. Achei que os ratos tinham medo de altura. Descobri que
estava completamente enganado quando vi um serelepe ratinho saltitando até a
borda da sacada. Aproveitei a oportunidade e o chutei para longe. Não longe o
suficiente, pois ele pousou confortavelmente na mochila de um inocente
transeuntente.
Nessa
hora eu vi o carro do exterminador chegando. É engraçado como essas empresas
sempre nos garantem que seus carros são discretos, que não precisaremos nos
preocupar com os vizinhos, porque nunca perceberão que tivemos problemas com
ratos e essas coisas todas. Eu sabia que era o carro do exterminador porque era
um grande furgão branco que parou na frente da minha casa. Tive certeza quando
saíram dois caras de boné e camiseta laranja, onde se lia, em letras garrafais,
“Exterminador de pragas – Não deixe de exterminar a sua!”. Bem discretos.
Os
caras passaram a manhã inteira andando de um lado para o outro da casa.
Concluíram que os ratos estavam vindo da casa vizinha e me cobraram uma
fortuna. Minha esposa e eu voltamos para casa, mas a vida nunca mais foi a mesma.
Com a minha postura de caçador,
naquele dia, foi-se também a moral.
Então, mantenha sua postura, se não quiser passar o
resto de seu casamento ouvindo que você lava louça (que um dia antes do
casamento jurou que nunca tocaria) porque não é capaz de matar um rato.
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