Estava organizando alguns arquivos antigos do computador e encontrei um conto que escrevi no início de 2005.
A princesa-tapete
Thalita Rego
Um
camponês andava pela estrada pensando em como era abençoado pelos deuses.
Conseguira vender uma vaquinha esquelética por uma quantia relativamente boa,
com a qual poderia alimentar sua família durante um mês inteiro. Andava tão
distraído que não viu os dois homens que se aproximavam sorrateiramente. Não
teve tempo de dizer nada antes de o agarrarem. Espancaram-no sem dó,
arrancaram-lhe todas as roupas e jogaram-no em um barranco para que morresse de
fome e frio.
O
pobre rapaz, no fundo do barranco, só pensava em seus pais, já bem velhinhos.
Começou a chorar. Seu corpo inteiro doía por causa dos ferimentos, mas não era
por isso que chorava, não imaginava como seus pais sobreviveriam sem o dinheiro
e sem a vaquinha. Quando já não tinha forças nem para chorar, o camponês viu
uma abertura cortada na pedra do barranco, parecia a entrada de uma caverna.
Arrastou-se até a abertura e entrou para se proteger da chuva que começava a
cair. Aos poucos seus olhos foram se acostumando a escuridão do lugar, foi
então que viu um arco de pedra, e embaixo deste, um túnel muito comprido, que
levava (sem dúvida) ao coração da montanha. O arco era todo modelado na pedra,
excepcionalmente bem trabalhada. Isso despertou a curiosidade do camponês que,
mesmo com sérias dificuldades para se locomover, arrastou-se em direção ao
túnel, passando pelo arco e seguindo rumo ao desconhecido. O túnel parecia não
ter fim. Logo o camponês estava extremamente cansado e seu corpo doía mais e
mais, por isso, acabou adormecendo no meio do caminho.
Quando
acordou, percebeu que seu corpo não doía mais. Abriu os olhos e viu que não
tinha mais ferimentos. Olhou ao redor e não reconheceu o lugar, não estava mais
naquele túnel escuro e frio, estava deitado em uma cama confortável, em um quarto
amplo, bem iluminado e aconchegante. Ao lado da cama havia uma mesa com um
banquete servido. O camponês, confuso, levantou-se e comeu sozinho, depois
começou a andar pelo quarto analisando tudo. Estava em perfeita ordem,
metricamente bem arrumado. Estava tão distraído observando atentamente cada
item do lugar, que não viu quando alguém se esgueirou sorrateiramente para
dentro do quarto através de uma cortina. O camponês virou-se, distraidamente,
para observar o outro lado do quarto e deu de cara com um tapete que segurava
um jarro com água e se movia com graça. Não é preciso dizer que o rapaz levou
um susto enorme, não é sempre que vemos um tapete andando por ai. “Desculpe-me,
não quis assustá-lo!” – o tapete falou com uma voz cristalina – “Vim trazer-lhe
água, pensei que pudesse se cansar de só tomar vinho”. O rapaz, muito confuso,
quis saber onde estava. O tapete respondeu que o tinha encontrado a uns dois
dias no túnel de pedra, e que levara-o para seus aposentos no intuito de curar
suas feridas, disse também que estavam no palácio subterrâneo de um feiticeiro
muito poderoso que não gosta de visitantes. “Pode ficar tranqüilo, ele não sabe
que você esta aqui!” – completou o tapete.
O
rapaz passou mais alguns dias ali, sempre com o tapete a levar-lhe comida e
bebida. Todas as tardes conversavam sobre o mundo fora do palácio subterrâneo,
que o tapete não via fazia anos. O rapaz, a cada dia que passava, gostava mais
de sua companhia tão exótica. Um dia, enquanto conversavam, soou uma voz
estridente: “Lilah! Lilah!”. O tapete rapidamente pegou o camponês pelo braço e
pediu que arranjasse um lugar para esconder-se, porque o feiticeiro estava
chegando. O rapaz correu e escondeu-se atrás de uma cortina, bem na hora em que
um homem alto e feio entrava no quarto com o maior estardalhaço. “Lilah, por
que não veio quando chamei? Sabe que não gosto quando faz isso. Já lhe dei
ordens para que não fizesse isso!” – gritava o homem, o tapete respondeu com um
ódio que, sem querer, deixava transparecer na voz: “E eu já disse que não obedeço
a ordens de ninguém, muito menos as suas!” O feiticeiro, de raiva, quebrou
alguns objetos que decoravam o quarto, e disse que o tapete já estava passando
dos limites e que se não casasse com ele, o feitiço nunca seria quebrado. O
tapete respondeu que preferiria ser tapete o resto da vida a se casar com um
homem como ele. O feiticeiro virou as costas e disse: “Você está presa aqui,
nunca encontrará um homem para quebrar-lhe o feitiço, se não quer casar-se
comigo, então que viva como um tapete o resto de seus dias.”, e saiu quebrando
tudo o que via pela frente. O rapaz, atrás da cortina, ouvira tudo, abismado.
Depois
que o feiticeiro saiu do quarto, o tapete foi até onde estava o rapaz e disse
que precisava contar-lhe sua história. O tapete, na verdade, era uma princesa
que havia sido enfeitiçada pelo dono do palácio subterrâneo. Tudo porque os
reis de Doutoille, pais da princesa, não quiseram prometê-la em casamento para
Mazehard, o feiticeiro. Este, irado, jogou um feitiço na recém nascida dizendo
que quando ela completasse 12 anos, transformar-se-ia em um tapete e o feitiço
só seria quebrado se a menina encontrasse um homem disposto a casar-se com ela
no dia de seu aniversário de 21 anos. Quando completou 12 anos, Mazehard
trancou-a em seu palácio subterrâneo, onde vivia até agora. Só havia um
problema, seu aniversário de 21 anos seria no dia seguinte. “Estou condenada a
viver como tapete o resto de meus dias!”
O
rapaz olhou ternamente para o tapete e disse que estava apaixonado, mesmo antes
de saber que o tapete era uma princesa e, se ela quisesse, eles se casariam
imediatamente. O tapete disse ao rapaz que também havia se apaixonado por ele,
e por isso contara-lhe sua história.
Na
manhã seguinte, o tapete pediu que Mazehard chamasse alguém que realizasse
casamentos. O feiticeiro pensando que finalmente se casaria com a princesa,
realizou seu pedido o mais rápido que conseguiu. O tapete disse à Mazehard que
gostaria de conversar com o homem que realizaria o casamento, antes que este acontecesse.
O homem entrou nos aposentos do tapete e realizou seu casamento com o rapaz,
sem que o feiticeiro soubesse. Ao término da cerimônia, o tapete transformou-se
em uma moça linda, e fugiu com seu novo marido e seus sogros para reino de
Doutoille. O feiticeiro quando descobriu o que havia acontecido, ficou tão
bravo que fez tremer a montanha, e acabou morrendo soterrado.
Os recém-casados
viveram felizes até o fim de seus dias.
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